Sobre a autora: Ana Martinho Fernandes é atualmente Diretora de Serviços de Apoio à Estratégia e Planeamento da Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género (CIG). É mestre em Sistemas Sócio Organizacionais da Atividade Económica pelo Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG) da Universidade Técnica de Lisboa, licenciada em Estatística e Gestão de Informação pelo Instituto Superior de Estatística e Gestão de Informação (ISEGI) da Universidade Nova de Lisboa e bacharelato em Contabilidade e Administração no Instituto Superior de Contabilidade e Administração de Lisboa (ISCAL). Concluiu o Curso Avançado de Gestão Pública (CAGEP) e o Curso em Gestão Pública (FORGEP) ambos na Direção-Geral da Qualificação dos Trabalhadores em Funções Pública (INA).
É se exigido às empresas que respeitem e protejam os direitos humanos (mesmo que em alguns casos essa obrigação não seja jurídica), mas até que ponto é que no desenvolvimento das suas atividades as empresas conseguem respeitar os direitos humanos, em particular o direito à igualdade de género, principalmente quando consideramos que grande parte do tecido Empresarial português é composto por pequenas e médias empresas?
Realmente o desafio é significativo. Como todos nós sabemos a igualdade entre homens e mulheres não está garantida no mundo e não está garantido no nosso país e, portanto, tem uma dimensão global e é significativo continuarmos todos os dias a tentar garantir a igualdade entre homens e mulheres. Só para terem uma ideia, as mulheres ganham menos do que os homens e ganham menos à medida que são cada vez mais qualificadas. A diferença pode ser entre 16,6% a 26,2%, respetivamente o gap salarial entre homens e mulheres com o ensino as habilitações inferiores ou iguais ao ensino básico e o ensino superior.
Neste momento, as grandes empresas, por exemplo as empresas que estão cotadas em bolsa, já são obrigadas a ter um plano para a igualdade. Existe inclusive a intenção e o respeito pela paridade ao nível dos órgãos de gestão dessas empresas.
Podemos pensar que é mais fácil avançarmos com resultados no domínio da promoção da Igualdade nas grandes empresas, desde logo porque acabam por ser muito mais escrutinadas e, portanto, podemos ser levados/as a pensar que será possível darmos passos maiores e continuar no sentido de garantir cada vez mais igualdade entre homens e mulheres.
De facto, quando falamos das micro e pequenas empresas, efetivamente o desafio é gigante porque a maior parte das empresas não têm departamento de recursos humanos, a maior parte das empresas não têm a possibilidade de implementar o sistema de gestão da conciliação entre a vida familiar profissional e pessoal, podem ainda ter alguma dificuldade em aplicar boas práticas como a possibilidade denúncias de assédio e apoio às vítimas de violência doméstica. Todas estas dimensões que nós, à priori, consideramos importantes para a promoção da igualdade de género e para uma sociedade mais igual entre todas e todos são muito mais difíceis de garantir nas pequenas e médias empresas, em especial nas microempresas.
Quando se coloca a questão “se podem ou não violar os direitos humanos”, evidentemente que não! E não é só uma questão de legalidade! Agora o que importa mesmo é saber o que é que a sociedade, no seu todo, tem que fazer para que se possa a melhorar a igualdade de género. Criar leis e tornar obrigatória a perspetiva de género sectorialmente??!!, Provavelmente são medidas importantes, mas importa igualmente garantir a sua fiscalidade e condições para que possam ser executadas. É um percurso que se tem de fazer com a sociedade em geral: com conhecimento, com formação, sensibilização e campanhas. E depois há o poder do consumidor e o direito e acesso à informação, que de facto tem imensa relevância. A informação sobre toda a cadeia de produção de um determinado bem ou serviços é uma arma que é muito importante, permite ajudar a decisão de compra ou não um bem ou serviços em função do que sabemos sobre o respeito dos direitos humanos.
Na perspetiva da CIG, qual é o papel das empresas na promoção da igualdade e também da desigualdade de género?
As empresas têm um papel absolutamente relevante na promoção da igualdade de género porque impactam grandemente a vida das pessoas e ainda porque para as empresas há aqui um processo de vantagem múltipla e dupla. De facto, hoje temos em Portugal um problema de escassez de recursos humanos e de qualificação. Ora, quando uma empresa consegue promover a igualdade de género e ser clara naquilo que faz, consegue reter talento e recursos e dessa forma progredir. Quando uma empresa consegue promover a conciliação, a saúde no trabalho, a igualdade entre homens e mulheres, respeitando especificidade de todos e todas, tem sempre a ganhar. Está provado que uma empresa que consegue a igualdade de género tem mais valor e produz mais valor para sociedade em geral.
No caso das grandes empresas o reconhecimento da necessidade de capacitação, sensibilização qualificação da própria empresa para a igualdade está facilitado ao ponto de muitas empresas já terem avançado neste sentido, nas pequenas e médias empresas há ainda todo um processo a desenvolver.
Temos imensos exemplos que podemos dar: quando uma empresa tem a oportunidade de garantir o percurso casa-trabalho para a família, quando uma empresa consegue garantir serviços para as crianças dos seus trabalhadores e das suas trabalhadoras, quando tem a saúde no trabalho acautelada e consegue igualdade para mulheres e homens, quando é possível existir denúncias de assédio numa empresa, tal faz uma diferença gigante entre a igualdade, o bem-estar e o valor dos bens que colocam no mercado.
Temos que pensar em formas de melhorar as empresas e o seu sistema. Nós temos alguns casos muito bem-sucedidos na nossa sociedade, como por exemplo o sistema de saúde e segurança do trabalho. É um processo que foi iniciado há longa data e conseguimos ver os seus efeitos e evidentemente que existem organismos que acompanham esses sistemas de implementação e representam enorme a redução dos acidentes de trabalho e melhoria das condições de trabalho, com reflexo no bem-estar das trabalhadoras e dos trabalhadores. Portanto é possível! Não estamos a falar de algo que seja totalmente impensável. É possível garantir a igualdade de género nas empresas, mesmo em pequenas e médias empresas e temos que continuar.
Como é que as empresas podem evitar o pink washing?
Em primeira instância, têm que assumir como política a promoção da igualdade e levá-la muito a sério do princípio ao fim. Desde logo no que toca à linguagem que utilizam, se utilizam linguagem sexista, ou homofóbica ou se promovem, ainda que indiretamente, a violência doméstica. Uma política de igualdade séria e assumida consegue evitar a discriminação e desigualdade que referi.
Ao nível da admissão das pessoas para ocupar um determinado posto de trabalho, está cada vez mais a ser defendido, nomeadamente em foros internacionais, que quando os critérios e a seleção têm por base uma escolha “cega de género”, os resultados conseguidos em termos de igualdade de mulheres e homens são mais justos – porque não há os efeitos de estereótipos que influenciam a escolha. Esta é uma fase importantíssima, devendo as empresas implementar mecanismos para serem justas logo na admissão dos seus trabalhadores e suas trabalhadoras.
Relativamente aos salários, parece-me lógico que trabalho igual, salário igual. A empresa não tem só de dizer que o faz, mas garantir que o faz. Neste aspeto os dados são muito objetivos e temos aqui muito mais facilidade em garantir o report através da prestação de contas à sociedade (públicos ou potencialmente públicos).
Relativamente à progressão da carreira, uma empresa não pode dizer que promove a igualdade de género e declarar-se amiga da igualdade e da diversidade e depois, na prática, verificar-se que que a progressão das carreiras das mulheres pode acontecer até determinado ponto e depois tem um teto de vidro que impede o seu acesso a níveis hierárquicos mais elevados, bem como a própria mudança e mobilidade entre profissões.
As empresas têm que ser claras relativamente ao que comunicam, porque é facílimo saber, olhando para a sua estrutura, práticas, linguagem, o que produzem e coproduzem se, efetivamente, estão a ser coerentes com o que dizem. Todos os indicadores nos dizem que ainda estamos muito longe de termos muitas empresas que promovem a igualdade efetiva entre homens e mulheres e de promoverem a diversidade. Mas já há várias que o fazem. Isto vê-se se analisarmos, por exemplo, as características dos grupos que mais facilmente se encontram em situação de desemprego, que mais transitam entre emprego e desemprego, bem como as pessoas não têm qualquer oportunidade de ingressar no mercado de trabalho por preconceito de género. Na verdade, a interseccionalidade e as multidiscriminações são ainda uma realidade que condiciona a entrada e manutenção no mercado de trabalho, e que atinge diferentemente homens e mulheres.
Concordo que é melhor começarmos por algum lado do que não fazer nada, mas diria que realmente temos que começar bem, porque a informação existe e o escrutínio público e avaliação moral da informação podem ser instrumentos muito importantes.
Como é que acha que a pandemia regrediu as conquistas no campo da igualdade de género?
Todas as pandemias e guerras prejudicam mais as mulheres do que os homens, esta pandemia não foi exceção. Foram as mulheres que mais faltaram para ficar em casa, nomeadamente a tomar conta dos filhos, dos doentes e das pessoas mais idosas. Foram as mulheres que estiveram na linha da frente nos serviços prestados, nomeadamente na saúde, e foram as mulheres que mais foram para o desemprego pelas funções que exercem.
O ano passado foi publicado mais um relatório internacional, “Global Gender Gap Report”, do World Economic Forum (WEF), entre tantos, que nos dá conta de que precisamos de 136 anos para termos igualdade de género no mundo, antes da pandemia precisávamos de 100, pelo que, houve um retrocesso imenso, sendo que precisamos de 250 anos até termos para termos igualdade salarial.
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